quinta-feira, julho 20, 2006

Em pleno vôo

Eu andei de avião na época do glamour – obrigada vozinha.
Naquele tempo, embarcar na aeronave não era apenas procedimento incômodo e enfadonho necessário para se deslocar mais rapidamente pelo ar. Havia charme, encantamento.
As pessoas polidas realmente flutuavam.
Havia um buraco no estômago, aberto pela emoção da decolagem, que ia ser preenchido por um jantar típico da rota. No meu caso – BH-Salvador – recordo da sobremesa: os quindins, dos quais me empanturrava, gulosa, comendo o meu de direito, o da mãe e o da vó.
Dramatizávamos a viagem. Ao ouvir, atentos, a voz do piloto e comandante – autoridade. As instruções não vinham no inglês sofrível de hoje. E eram importantes. Todo cuidado era pouco. Voar era para poucos.
Podíamos cair ao mar, afinal! Podia ser preciso colocar máscaras de oxigênio! – Espantávamos e os olhos brilhavam. O brilho nos olhos não se subjugavam ao direito do consumidor e às indenizações em caso de acidente. Morte era coisa séria também naquela época. Hoje é coisa romântica.
Voar era o risco e o poder de desafiar nossa natureza.
Hoje, sinto, não é mais assim. O avião barateou e multiplicaram-se os vôos. (Está certo que é só por isso que posso escrever este relato). Temos pressa.
O embarque, uma balbúrdia. As pessoas, ordinárias. Os procedimentos, corriqueiros.
Encosto na vertical. Celular desligado. Decola.
A emoção já não abre o buraco no estômago, e eles sabem disso: o jantar típico, que ia dando cor e sabor ao destino, virou uma barra de cereais e um saquinho de amendoim (pra ninguém dizer que o lanchinho é sem sal).
Hoje, ao meu lado, ao menos, dois anacronismos me ressuscitam. A senhora, faminta, reclama seu peixe de outrora. E a criança, ingênua, questiona o comissário de bordo: Salvador e Natal? Mas o Natal não é em julho!